quarta-feira, 21 de março de 2018

O seu amor pode estar do seu lado

Cheguei a um ponto da vida em que não tenho mais vontade de me dividir por quase ninguém. Não estou afim de ser a metade de alguém que não seja, de verdade, a minha outra parte que está perdida por aí. Quero encontrar alguém que carregue consigo pelo menos um pouco das minhas ideias, alguém para quem eu olhe e possa dizer: “É você! Eu sabia que você existia”.


Mas não era nisso que pensava naquela terça-feira quente de fim de verão. Nos termômetros mais de 30 graus, a sensação era de que havia um sol para cada habitante da cidade e, obrigatoriamente, eu precisava estar vestido em um traje social. Tinha um compromisso importante e, para não correr e suar mais do que já suaria, saí de casa com bastante antecedência. E agradeci por isso ao descer a escadaria de acesso à estação e ver o metrô partindo.

Não mais que quinze minutos depois já estava em um vagão. Assim que me sentei, calculei quantas estações demoraria para chegar à Sé, onde mudaria de linha, para depois ainda pegar o trem e percebi que tinha tempo de sobra. Então, ainda com os fones no ouvido, abri o livro que trazia na mochila e mergulhei em alguns minutos de leitura.

Na estação seguinte alguém sentou ao meu lado e, um tanto contrariado, fechei um pouco as pernas e, no mesmo momento, me arrependi de não ter corrido para entrar no metrô que tinha passado antes, porque esse em que eu estava, no caso, não tinha ar condicionado. Revirava os olhos toda vez que a perna do moço ao lado fazia pressão na minha, mas tentava entender, ele parecia ser mais alto, não devia estar fazendo de propósito.

Duas estações depois, comecei a ouvir uma música que não vinha dos seus fones. Como sempre fazia quando havia músicos no vagão, pausei o Spotify, tirei os fones do ouvido e prestei atenção aos acordes do violino que tomavam conta do ambiente.

_ Mano, esse DVD tá muito massa! 
_ Oi?

Foi uma resposta instintiva, eu não tinha ideia de quem e nem do que estavam falando. Mas o cara sentado ao meu lado apontou para a tela do celular acesa em meu colo e repetiu:

_Esse DVD tá muito massa! Ferrugem é foda!

Sorri ao entender do que se tratava e olhei para o lado para responder. Fiquei mudo. Não sei se me encantei por seu cabelo afro cacheado ou pelo belo sorriso estampado em seu rosto, mas, naquele momento, toda a impaciência com a perna do passageiro ao lado pressionando a minha, se dissipou. Então me recompus e concordei:

_ Tá incrível mesmo! Acho ele uma das grandes vozes do samba na atualidade. 
_ Concordo muito, só não é páreo para o Péricles. 
_ Ah, com certeza! Péricão é o rei da voz!

Sorrimos em total acordo. O violinista tocava algo que parecia Coldplay, mas não fazia a menor diferença, eu só queria falar de samba pelas próximas horas dividindo com aquele cara ao meu lado um litrão de cerveja em copos americanos de um bar qualquer da imensa metrópole paulista. Mas não tivemos tempo: já estávamos na estação Vergueiro e ele se levantou um pouco antes da Liberdade. Educadamente estendeu a mão que, imediatamente, eu apertei e com um ‘valeu, man’, desembarcou. De rabo de olho pude vê-lo sorrindo e perceber o livro que levava na mão: ‘Qual é a tua obra’. Droga, ainda por cima o cara lia Mário Sérgio Cortella.

Poucos minutos depois, cheguei à Sé. O cérebro ainda tentava assimilar o que havia acabado de acontecer, o coração ainda estava disparado, a boca seca e os olhos levemente marejados. Na cabeça, como um mantra, eu só conseguia pensar em uma coisa: “É você! Eu sabia que você existia! ”. Só espero ter mais tempo da próxima vez. 

P.S.: Essa é uma obra de ficção, qualquer semelhança com pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência. Ou não.

terça-feira, 25 de julho de 2017

Até aqui...

Desde menino ele tinha sonhos e sonhava grande. Outros países, outras culturas, outras histórias. Mas, sem referências, eram só sonhos. Em seu lar, tinha tudo o que precisava para viver: alimento, conforto, acesso à educação e muito amor. Em seu ‘quintal’, a miséria, o tráfico, a violência. Não conhecia ninguém que tivesse ido à universidade, que tivesse um cargo de gerência em uma grande empresa ou trabalhasse em uma multinacional. Se sentia um estranho no ninho, pois tinha certeza que, entre os seus companheiros de jogo de taco na rua, era o único que pensava sobre isso.

A religião não trouxe só Deus à sua vida, os melhores amigos que conheceu em toda a sua existência, ele fez na igreja. Através da primeira eucaristia, ainda criança, ingressou em um grupo do qual só saiu adulto. Por, mais ou menos, 15 anos, todo domingo de manhã saía de sua casa, feliz da vida para aquele encontro semanal. Sempre que possível se encontravam fora desse horário também, mas foi tudo tão natural que, se perguntassem, ele, provavelmente, não saberia responder em que momento dessa trajetória esse grupo se transformou nos amigos que são até hoje.


Foi nesse círculo que conheceu uma nova realidade. Saiu do seu habitat natural e passou a conviver com uma galera completamente diferente do que estava acostumado. Foi o seu primeiro contato com um aluno de escola particular, por exemplo. E, apresentado àquele novo cenário, pela primeira vez na vida, sentiu-se incluído, parte de algo. Isso foi sensacional e desastroso ao mesmo tempo.


Viver naquele meio por um período tão grande, lhe deu a falsa impressão de ser um deles, mas não era. Eles não moravam no mesmo bairro, não usavam as mesmas marcas, suas moradias eram bem diferentes e, principalmente, mais tarde, não teriam as mesmas oportunidades.

Os anos voaram e a profecia se cumpriu. Fora daquele círculo que lhe era tão familiar, ele se sentia, novamente, um peixe fora d’água. Precisou encontrar outra ocupação para as manhãs de domingo e, principalmente, entender o mundo que agora o cercava. Parece exagero, mas, sim, aquelas pessoas eram prioridade para ele, vinham em primeiro lugar, muitas vezes, antes dele. E, naquele momento, pela primeira vez em mais de uma década, ele não os tinha. Teve que se virar.

Foi duro fazer o caminho inverso. A compreensão de quem ele era, foi um processo doloroso, mas necessário. Ele entendeu que só quando a gente se conhece de verdade pode ter plena certeza do que é a felicidade e descobriu a dele.


Hoje, quase 10 anos depois, ele olha para trás com saudade e não com arrependimento, ainda tem muitos sonhos, tropeça nas dificuldades, reclama da falta de oportunidades, cai, duvida que vai conseguir, cansa... mas continua. Aprendeu que só a persistência pode levar ao êxito e que, descansar é uma ótima opção quando sua vontade é desistir. Que seja sempre assim!  

terça-feira, 25 de abril de 2017

Não sei todo mundo, mas eu sou muito Dandara

No mundo que eu gostaria de viver, as pessoas não se agrediriam e, sobretudo, homens não agrediriam mulheres. No mundo que eu gostaria de viver qualquer mulher poderia sair, de dia ou de noite, com a roupa que quisesse, certa de que não seria importunada, assediada ou violentada. No mundo que eu gostaria de viver os meus iguais jamais precisariam se submeter a subempregos, morar em locais precários e sobreviver do jeito que dá. No mundo que eu gostaria de viver, a empatia seria regra e todos sentiríamos e nos indignaríamos com a dor do outro, sem exceção, como se fosse nossa. No mundo que eu gostaria de viver, todos nós seríamos respeitados por quem somos, independente de credo, orientação sexual, posição social, identidade de gênero ou etnia. Mas eu não vivo no mundo que gostaria de viver.

No último sábado, convidada para a formatura de amigos, Dandara Castro, de Uberlândia/MG, chegou ao evento em um lindo vestido branco. Um belo turbante dourado compunha o look escolhido para aquela noite. Obviamente o seu adorno chamou atenção e ela foi muito elogiada. Mas olhares tortos e maldosos a acompanharam aonde quer que fosse. Já quase no final da festa, um rapaz tentou puxá-lo de sua cabeça. A estudante pediu que ele soltasse e saiu. Não teve a mesma sorte na segunda investida. O mesmo cara, agora acompanhado de vários outros, a encurralaram e, à força, arrancaram o turbante de sua cabeça e o jogaram no chão. Ao se abaixar para pegá-lo, nem ela esperava pelo que aconteceria a seguir: eles jogaram cerveja nela. Muita cerveja. E, mesmo depois de acionar a segurança e todos os agressores (sim, mesmo que eles digam que ‘só tiraram o negócio da cabeça dela’, como alegam, o que eles fizeram, é agressão) serem retirados do recinto, ela ainda foi hostilizada e ridicularizada pela namorada deles.


Não é o primeiro caso de racismo que vemos e, infelizmente, não será o último. Uma jornalista baiana de quem eu gosto muito, me fez refletir sobre o quanto a nossa indignação é seletiva. Eu mesmo já me revoltei com ataques racistas à Maria Julia Coutinho, Cris Viana e Taís Araújo. Mas quem vai se incomodar com a dor da Dandara e de tantas outras e outros como ela? A vida dela não tem glamour, ela não vai virar um hashtag para atrair likes, nem dar aquela visibilidade virtual buscada por tantos. Por isso, ninguém se importa. É só mais uma que vira uma estatística que a grande maioria nem faz questão de saber.

Eu sei exatamente a dor que essa menina sentiu. Na minha geração, as pessoas da nossa cor cresciam se lamentando por ter nascido com ela, nos faziam acreditar que éramos feios e de que nossos cabelos eram ruins. Conhecíamos o preconceito ainda na pré-escola e precisávamos aprender a conviver com ele por toda a vida. Continuam tentando nos convencer de que devemos nos contentar com a abolição que os nossos antepassados ‘conseguiram’ e nada mais. Preto crescendo na vida incomoda!

No baile de formatura Dandara era uma das únicas negras entre os convidados. Os outros, em sua grande maioria, estavam entre as pessoas que trabalhavam na festa. Não, isso não é nenhum demérito, muito pelo contrário, é um trabalho digno, mas atitude daqueles que a agrediram foi um jeito de dizer: o seu lugar não é aqui.

Mas ela resistiu! E que continue resistindo! Por ela, por mim, pelos seus, pelos meus, por todos nós!

‘Quem costuma vir de onde eu sou, às vezes não tem motivo pra seguir
Mas eu sei que vai, que o sonho te traz coisas que te faz prosseguir’

(Emicida)

terça-feira, 18 de abril de 2017

Semana que vem pode não chegar

Independente do grau de amizade, ninguém gosta de receber a notícia de que algum conhecido seu, morreu. Por menor que tenha sido a convivência com a pessoa, há sempre algo a ser lembrado, um fato guardado na memória ou a proximidade com alguém da família. E mesmo que não haja nada disso, a morte, por si só, se torna motivo suficiente para nos entristecer.

No último fim de semana, vivi uma experiência assim. Em poucos dias, descobri que uma querida amiga, dos longínquos tempos da adolescência, estava internada e, logo depois, que havia falecido. Não tínhamos qualquer amizade nos dias atuais e nem lembro qual foi a última vez que havíamos nos encontrado em um dos corredores do supermercado mais frequentado do bairro, mas, ainda assim, foi impossível não lamentar sua partida.



Ela já era mãe de três filhos quando deu entrada no hospital para dar à luz à mais duas, gêmeas. As meninas nasceram lindas e saudáveis, mas a mãe não resistiu. Nessas horas, a primeira coisa que a gente pensa é na dor de quem fica: marido, pais, irmã. É óbvio que eu também tive esse mesmo pensamento, mas fui além. Me perguntei se ela tinha sonhos, objetivos, metas. Pensei em quantos projetos seus estariam em andamento, ainda que só em sua cabeça e se ela teve a oportunidade de dizer tudo o que tinha vontade aos seus.

Em minhas lembranças ela ainda tem o cabelo loiro – que já não usava há muito tempo; namora aquele menino que joga futebol – que já é seu esposo, e dança no ‘Ilha Porchat na TV’ – programa da TV local exibido na década de 90. Ela ainda é a Loirão, irmã da Luíza, que mora ali no final da rua. Como pode alguém partir assim do nada? Eu sei, essa é uma daquelas perguntas das quais, provavelmente, jamais saberemos a resposta.

Na noite de sábado, ela partiu, mas podia ter sido eu, você. A gente, simplesmente, não sabe. Agora estamos aqui e, daqui a pouco, podemos não estar, por isso não desperdice seu tempo. Viva.

Diga às pessoas à sua volta o quanto elas são importantes para você, ame o máximo que puder, em quantidade e intensidade; não deixe seus projetos engavetados, lute para realizar seus sonhos, perdoe a si mesmo e aos outros. Essa não é nenhuma fórmula da satisfação pessoal, mas, vai por mim, o que tiver que ser feito, faça agora. E, ao fechar das cortinas, tenha a certeza de que fez tudo que estava ao seu alcance para ser feliz. Já que, no final das contas, é o que realmente importa, não é mesmo?

‘Não deixe nada pra depois, não deixe o tempo passar
Não deixe nada pra semana que vem, porque semana que vem pode nem chegar’ (Pitty)

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Vá com Deus, minha querida!
Descanse em paz, Carol! <3

terça-feira, 11 de abril de 2017

Quando você não é uma razão, pode ser a Hannah

Era só o início das aulas daquele ano em que tudo começou a mudar. Até ali, nas séries anteriores, ele ouvia uma risada aqui, outra ali, mas era inocente demais para entender o que, exatamente, estava acontecendo. Então ficava calado, em silêncio e esperava passar. E passava. Mas não por muito tempo.

Naquele 24 de fevereiro ele ouviu um aluno perguntar: ‘Professora, que dia é hoje?’ Ela, prontamente, respondeu. E foi então que, em uníssono, toda a classe começou a cantar: ‘Parabéns pra você’. Só ele ficou parado, estático, sem entender porque as pessoas o olhavam e, alguns, até se levantavam e iam em sua direção enquanto cantavam. A professora interrompeu a canção antes dele chegar à alguma conclusão, mas o pior ainda estava por vir. ‘Porque esse parabéns?’, ela perguntou. E a resposta foi: ‘Dia 24, professora. É aniversário dele, dia do viado’. Ele não sabe de quem foi a brilhante ideia de associar um número à condição sexual de alguém de forma tão pejorativa, mas, mesmo assim, passou a odiá-lo desde então.


E foi esse padrão que seguiram os próximos dias 23 que vieram depois, intercalado por uma piada ou outra – ‘dia sim, dia também’ – acompanhadas da risada geral da galera. Tinha uma rechonchuda professora de ciências biológicas que até esboçava um sorriso quando isso acontecia.

Ele não teve amigos do sexo masculino naquele ano e as poucas amigas que teve cabiam nos dedos de uma mão e sobrava vaga. Em casa, tinha mais com o que se preocupar. Os pais trabalhavam, logo, precisava ajeitava uma coisa ou outra para aliviar o lado de sua mãe quando chegasse no fim do dia. Além disso, cuidava de sua irmã mais nova: mandava tomar banho, levava para a escola, ajudava na lição de casa, essas obrigações de irmão mais velho. Não tinha tempo para pensar no que estava acontecendo na escola, mas pensava. Sempre pensava.

Cansado daquilo resolveu procurar ajuda no único lugar onde achava que conseguiria algum apoio. Escreveu no nome dos principais – e mais populares – alunos que, diariamente, caçoavam dele e foi até a coordenação, Chorava tanto que mal conseguia falar o que se passava, mas falou. Voltou para a sala e minutos depois a coordenadora apareceu na porta os convidando para um papo. No mesmo dia ele foi ameaçado de tomar uma surra na saída da aula. Mas era só para apavorar o garoto e, mais uma vez, eles conseguiram. Naquele final de manhã, ele correu tão rápido para casa que chegou a vomitar tamanha a sua falta de ar.

Depois disso ele aceitou a sua sina. Foi assim durante todo aquele ano, no próximo um pouco mesmo agressivo, até que, no seguinte, o último dele naquela escola veio a gota d’água. Ele estava feliz, tinha acabado de ficar entre os 20 melhores em um concurso de redação de nível estadual. Desceu para o recreio e, ainda no corredor, recebeu o abraço de felicitações da diretora.

Assim que chegou ao pátio, viu quatro alunos vindo em sua direção - um deles, um dos caras mais famosos  da escola. Se perguntou o que esse pessoal ia querer com ele, mas reconheceu uma amiga entre eles e ficou mais tranquilo. Ao pararem na sua frente, ela liderou o plano. Chamaram mais das pessoas em volta para ouvir e, em alto e bom tom, ela disse: ‘Você não queria conhecer o Eduardo, então, vim te apresentar. Dá três beijinhos nele’. O garoto, mais do que nunca, não entendeu nada daquela cena que acabara de acontecer ali. Olhou em volta em busca de um rosto familiar, qualquer olhar de compreensão, mas não encontrou. Só precisava de ajuda para sair dali sem dizer nada. As pessoas em volta comemoravam, aplaudiam e ele só queria sumir. Então correu. Empurrou todo mundo e correu até esbarrar na diretora e chorar, copiosamente. Por horas.

Ele queria ir para casa. Não haveria ninguém lá. Pensou exatamente na combinação de remédios que faria, ou se iria até à ponte que passava por cima de um dos rios de sua cidade, ou, até mesmo, fechar a casa e liberar o gás da cozinha pelo forno até que aquela dor passasse. Nunca na vida tinha sentido algo tão doloroso assim, chegava a ser sufocante, e ele só queria fazer parar.

Nessa hora entrou em cena um anjo. Uma professora, sabendo que o aluno chorava na sala da coordenação, foi saber o que estava acontecendo. Não fez muitas perguntas, mas o abraçou e, naquele momento, ele soube que, apesar do mundo ser tão cruel, ainda existiam exceções. E essa está com ele até hoje, 20 anos depois.
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Foi à esse tempo que a série ’13 reasons why’ me levou. Foi isso que a história de Hannah Baker me fez lembrar, me fez sentir. Sei que há uma corrente se formando conta a série, mas, acreditem em mim, ela não serve de incentivo e sim de alerta. E digo isso com propriedade, eu já fui Hannah.

Hey, você aí, não deixe que as pessoas sejam um porquê, sério! Mas, se você não conseguir evitar – eu bem sei que isso não é uma escolha – não faça como a Hannah, peça socorro! Acredite, quando não estamos sozinhos, somos muito melhores.

Se precisar de mim, é só chamar. Estarei sempre à disposição. Sempre!


segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Tudo o que a amizade dela me ensinou

Semana passada uma amiga muito querida foi mãe pela segunda vez. Fiquei feliz com a notícia, é óbvio, mas, confesso, me bateu uma pontinha de tristeza. Eu não participei desse processo, não vi o vídeo do ultrassom, nem perguntei mil vezes se ela já estava em trabalho de parto. A mamãe em questão faz parte de um tempo muito bacana da minha vida, mas não do atual. Ah, quanta saudade me deu...

Nos conhecemos há quase 10 anos e, durante alguns meses fomos muito próximos. Ela morava em São Paulo, tinha dado com os burros n’água em uma promissora mudança de emprego e possuía um apartamento em Santos, por isso, estava sempre por aqui. Frequentávamos a mesma balada, tínhamos vários amigos em comum – alguns fiz através dela, a mesma paixão pela comunicação e pela vida. Não conseguíamos conversar por apenas alguns minutos, qualquer dedinho de prosa se tornava um papo de horas. Com ela era sempre assim: não existia pouco.

Um dia ela quis passar um tempo no exterior e escolheu o Canadá. Não houve traumas, afinal, ela voltaria dali alguns meses. Preparamos despedida, fizemos porta retrato com fotos nossas e prometemos nos reencontrar assim que ela voltasse, mas o Universo tinha outros planos. Primeiro a permanência dela fora do país se estendeu e, quando ela voltou, a vida dela tinha se transformado completamente. Ela não era mais aquela menina que tinha ido ali estudar um outro idioma, ela era uma mulher.



Acabou que nos vimos apenas uma vez desde o seu retorno, se eu não me engano, no último aniversário que ela comemorou na praia. De lá para cá ela cresceu muito como profissional, como mãe e, principalmente, como pessoa. Mudou-se para o Rio de Janeiro, constituiu família e, ainda que – com exceção de alguns comentários em redes sociais – nós nunca mais tenhamos nos falado, tenho muito orgulho dela.

Hoje eu gostaria de agradecê-la por todas as lições que, com sua amizade, aprendi e pelas lindas memórias que ela deixou. Depois dela, aprendi a lidar melhor com as partidas e agora entendo que, nesses casos, não há culpados, foi só a vida que decidiu seguir o seu curso. 

Muito obrigado, baiana! 

'Entenda que amigos vêm e vão, mas nunca abra mão de uns poucos e bons' (Dos tempos em que usávamos 'Filtro Solar' em nossas legendas de Orkut)

segunda-feira, 20 de junho de 2016

o Brasil que a gente não vê na TV

Semana passada, vários sites pipocaram – em tom de comemoração – que, enfim, após 20 anos, ‘Malhação’, (novela, tipo seriado) da Rede Globo, teria a sua primeira protagonista negra. No currículo da atriz escolhida, Aline Dias, está a novela das sete, ‘Sangue Bom’ e a maravilhosa série, escrita por Miguel Falabella, ‘Sexo e as Negas’, que – não sei porquê – teve apenas uma temporada de exibição (bom tema para uma próxima publicação).

Aline Dias estreará como protagonista na próxima temporada de Malhação
Para aqueles que estão surpresos com o tempo que o fato demorou a acontecer, é importante lembrar que a primeira novela protagonizada por uma atriz negra só foi ao ar em 2004. Exatos 52 anos após a estreia das telenovelas no Brasil. ‘Da cor do pecado’, escrita por João Emanuel Carneiro, trazia a incrível Taís Araújo no papel principal.

E Taís foi além. Em 2009 deu vida a uma das figuras mais emblemáticas da teledramaturgia nacional: a Helena, do autor Manoel Carlos. Mas o fato mais importante não está na personagem, mas na descrição dela: Helena, modelo, 30 anos. Em nenhum momento há qualquer menção à etnia dela e isso, de fato, é uma conquista.

Lázaro Ramos e Taís Araújo são, talvez, o  casal negro mais bem sucedido do país
Em outubro do ano passado, o jornal britânico ‘The Guardian’ trouxe uma matéria sobre o recém-lançado programa ‘Mister Brau’, estrelado por Taís e seu marido, Lázaro Ramos. No texto, o jornalista chega a comparar os atores brasileiros aos astros mundiais: Beyoncê e Jay-Z e, em um programa de TV, a atriz é questionada sobre isso. E ela deixa claro que o foco da publicação não era esse, mas o triste retrato de uma país em que o a população não se via na televisão, já que, segundo IBGE , em 2014, 54% dela é composta por negros e pardos.

Não estou desmerecendo o avanço que ocorrerá em ‘Malhação’, muito pelo contrário, devemos comemorar o fato de que as crianças e adolescentes negras dessa geração terão uma referência diferente das que eu tive (onde os negros eram sempre escravos ou empregados), mas não podemos nos dar por satisfeitos, há um grande caminho a ser percorrido e devemos, sem preguiça, percorrê-lo.

‘A única coisa que separa uma mulher negra de qualquer outra, é a oportunidade. Não se ganha prêmios por papéis que não existem. ’ (Viola Davis, ao receber o Emmy Awards de melhor atriz de 2015)